Perdi a chave de novo

 


 Eu esqueci minha chave. E o pior: não tinha cópia nenhuma (uma prova de confiança que ninguém deveria ter em si mesmo). Isso me fez perder um dia inteiro me preocupando com algo que era para ser algo banal, mas que me fez pular a janela da minha sala. Só mais um dia estranho.

  As vezes me pego pensando se minha mentalidade vem piorando ou se apenas o estresse me alcançou em um patamar em que esquecer de chaves é comum. Ao chegar no chaveiro para fazer um orçamento, me deparei com uma parede infinita delas.

  Seriam aquelas pessoas esquecidas de plantão? Ou apenas não lembraram onde deixaram as chaves em lugares aleatórios como eu? Teriam elas longas histórias emocionantes que marcaram a vida e contavam sempre que iam em churrascos de família o modo que elas eram esquecidas e saiam perdendo coisas por aí? Será que o fato de ter que ir em uma loja de chaves para abrir a porta de lugares tão importantes, acaba decaindo o nível intectual ou irônico das histórias?

  Uma loja de chaves soa como algo poético. Ou o termo certo seria apenas conserto? Loja parece bem mais legal. A questão é que naquele mural haviam pessoas que pertenciam aos bairros mais variados que se dava pra pensar. Em um espaço tão pequeno, era como se uma sala de cinema lotada de pessoas no RodoShopping estava sem acesso sei lá Deus aonde.
  
Entreguei elas para o moço, que me olhou como que eu fosse a centésima pessoa que fazia aquilo só naquela tarde.  E enquanto ele analisava, eu esperava minha ligação para minha mãe começar a chamar. Me atendeu com um "não acredito que sumiu a chave de novo, sua única obrigação é cuidar dela" e percebi que a cara do vendedor não tinha nem mudado. Era como se esses sermões fossem a parte mais entediante nos seus dias.

  Desliguei o celular, disse que não iria mais fazer a cópia e sai normalmente. Acho que isso não acontecia muito, porque finalmente vi uma alteração quase imperceptível de surpresa no seu rosto. No fim das contas, ia encontrar ela sozinha. Inesperado.

  Doido como o mundo anda cada vez mais bagunçado. Com muito movimento, afazeres, compromissos e dor de cabeça. E depois ainda nos culpam por não estar com uma cabeça boa o suficiente para conseguir viver em um mundo tão superficial a ponto de que o ato de pegar uma chave era automático.

  Dei de ombros, sai andando por aí e não olhei para trás. Se elas tivessem comigo, talvez já tivessem sumido de novo.